Crédito: Christiano Diehl Neto Renata Letícia de Moraes e Carlos Kazuya Sunto: matemática é encantadora e fantástica |
A Escola Samuel de Castro Neves, no bairro rural de Santana, vem há mais de uma década se destacando no ensino de matemática. Uma combinação de talento, método e muita disposição tem proporcionado ambiente profícuo para o desenvolvimento da disciplina. Os alunos de ensino fundamental e médio percebem a grandeza do projeto e estão a cada ano sendo cativados e se envolvendo com trabalho silencioso e mágico coordenado atualmente pelos professores Carlos Kazuya Sunto e Renata Letícia de Moraes. Com isso, os talentos vão se revelando ano a ano, em forma de ouro, prata e bronze.
Para se ter uma ideia, em 2021 a escola conquistou quatro medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), sendo uma de prata e três de bronze. "Mas este não foi o melhor desempenho", observa Kazuya Sunto, orgulhoso com os resultados obtidos ao longo do tempo. Ele recorda que em 2017 a escola deu show e seus alunos levaram sete medalhas. "Desde 2010, quando iniciamos nossa estratégia para preparar os alunos que participam da Obmep, já conquistamos três medalhas de ouro e três de prata", recorda.
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Renata vai ao socorro das medalhistas de bronze e explica que há cada 10 mil participantes da olimpíada, apenas três conquistam medalhas. "Essa referência nacional dá uma dimensão da dificuldade que é se destacar na disciplina a partir de parâmetros tão rigorosos como os da olimpíada. Por isso as medalhas de bronze entram no cálculo como uma conquista incomum, com a qual nos orgulham muito".
Por essa disposição ao trabalho, pela busca de resultados objetivos e, claro, pelo desempenho da escola, Carlos e Renata serão os Professores Homenageados pela Obmep 2020, uma vez que a instituição de ensino manteve-se em alto nível na relação alunos participantes/medalhas. Mas nada disso acontece sem foco. Tanto é que a explicação para a queda da escola de sete medalhas em 2017 para quatro em 2021 está diretamente relacionada à falta de foco provocada pela pandemia.
"Em 2020 os alunos tiveram praticamente 100% de aulas virtuais, o que prejudica o aprendizado. No ano passado, enquanto 50% estavam presentes em sala de aula os outros 50% estavam na telinha do computador ou do celular", recordam. Com isso, os estudos avançavam de forma mais lenta. "É natural também que os alunos tenham um desempenho menor por causa disso tudo que está acontecendo".
Renata recorda que a Isabela Marin (retratada na edição de domingo, 30/01, da Gazeta), que conquistou a medalha de prata no ano passado, passou o ano toda essa alternância, mesmo assim conseguiu um resultado surpreendente. "Mas ela é um exemplo de disciplina e dedicação". Segundo a professora, a Rayra Gregório Moura, que ficou com a medalha de bronze, passou por um processo ainda mais complicado. "Ela vinha de outro ciclo. Saía do 5º para o 6º ano, mesmo assim, sem se adaptar à nova realidade e sem aula 100% presencial, se deu muito bem. Isso tudo nos orgulha".
Quebra de paradigma
Matemática sempre foi vista como uma disciplina chata por muitos alunos. Na Samuel de Castro Neves a regra número zero dos professores da disciplina é mostrar que a matéria não é apenas encantadora, é fantástica. "A lenda de que matemática é difícil não vigora aqui. Ensinamos que ela está em nossas vidas e que a partir do momento em que percebemos isso, ela fica legal e o aprendizado, algo saboroso. Quando os alunos são cativados por essa tese, se despertam e avançam rapidamente", explicam os professores.
Carlos observa que os alunos são envolvidos pelo mundo de Pitágoras quando percebem que a matemática está, de fato, na base de tudo. "Procuro trabalhar com questão práticas. Na geografia, a cartografia, quando ganha o suporte da tecnologia, recebe o reforço do GPS. E a base do GPS são os números. Esse entendimento de associação da matemática a outras disciplinas é cativante. Até mesmo para ser um professor de educação física, costumo dizer, exige-se conhecimento da estatística, sem a qual não se tem um bom personal trainer, por exemplo. E a estatística são números. Ou seja, saber trabalhar com números nos leva a resultados incríveis tanto para a saúde do corpo como para o monitoramento terrestre".
A mágica
O grupo de matemática voltado exclusivamente para a Obmep foi criado na escola de Santana em 2010. Dois outros professores precisam ser lembrados nesse processo. São eles: Danilo Rodrigo Alves e Valdemar Correr. Ambos morreram de Covid-19 em 2021. "Eram excelentes professores", recorda Renata. O Valdemar já havia saído da escola em 2021, mas o Danilo estava conosco. Pegou a doença e morreu dois meses após". Ela entrou no ano passado e passou a dar continuidade ao trabalho ao lado de Carlos.
Carlos recorda que as aulas começaram no contraturno. Eram 40 minutos de aula por dia fora do horário das aulas padrões e o foco exclusivo era a Obmep. "Sempre gostei da lógica da olimpíada, porque ela exige raciocínio dos alunos e não decoreba de fórmulas. Esse raciocínio que ensinávamos a eles". No ano passado também a escola entrou para o Programa de Ensino Integral (PEI) e as aulas de matemática para a olimpíada foram colocadas nas aulas chamadas de eletivas. "Ao invés de 40 minutos por semana passamos a dar duas aulas de matemática por semana". Assim, os alunos escolhem participar ou não. Mas pelo desempenho da turma, a adesão só aumenta.
Os professores de matemática trabalham com empenho para que seus alunos medalhistas passem a participar de campeonatos internacionais. "Esta é uma oportunidade muito interessante. Eles podem também participar dos cursos de iniciação científica júnior, com mestres e doutores da USP. São aulas virtuais com encontros presenciais esporádicos, mas de imenso valor. Para isso, eles chegam inclusive a ganhar bolsas de incentivo", explica Carlos.
Quem são esses professores
Há um mistério nessa história ou é puro acaso da vida. Mas eles integram o que passo a chamar agora de conexão Charqueada-Santana. Por incrível que pareça, ambos nasceram na cidade vizinha. Renata estudou química na Uniararas e fez licenciatura em matemática na Faculdade Polis das Artes. Ela pretende fazer concurso para se tornar professora efetiva do Estado, mas por enquanto se enquadra na Categoria O, de contratos temporário. Carlos é bacharel em ciências contábeis pela Faculdades Associadas de São Paulo. Além de ser professor efetivo da Samuel de Castro Neves, dá aula também na rede municipal de São Pedro.
O fato de não terem estudado no que se costuma classificar de grandes universidades públicas do Estado de São Paulo, como USP e Unicamp, traz um elemento muito especial para esta matéria, uma vez que a escola não faz o aluno, mas o aluno faz a escola. Eles são, por si só, dois exemplo de alunos que fizeram suas escolas e estão colaborando para projetá-las ao mundo. Hoje, estão convocando os alunos de Santana para que também façam sua escola e ajudem a elevar cada vez mais alto o seu nome.
"As pessoas têm um certo preconceito com a escola de Santana pelo fato de ela ser rural e, obviamente, estar distante do espaço urbano". Esta observação da Renata é uma demonstração de que o olhar do desavisado pode falhar imensamente quando a base é o preconceito. Mas ele precisa reconhecer seu equívoco quando a verdade se revela na base de medalhas de ouro, prata e bronze.
Fonte: Gazeta de Piracicaba
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